O segredo de Luiza

Entre o final de 2013 e o começo de 2014 um vídeo foi muito compartilhado na internet, via redes sociais. Nesse vídeo, Luiza Trajano, CEO de uma das maiores redes de varejo do Brasil, a Magazine Luiza, tem uma leve discussão com o jornalista Diogo Mainardi, durante o programa Manhattan Connection, da Globo News. O motivo: os dados!

Tudo bem que até hoje algumas pessoas ainda discutem se 0 (zero) é um número ou não, mas acho um pouco engraçado haver discussões a respeito de dados. Os dados são os dados, ora. A não ser que em meio a essa discussão haja interesses políticos e informações viesadas.

Quais dados? Dados sobre inadimplência. Nossa amiga Luiza, muito privilegiada pela politica de crédito já citada por mim aqui neste blog (não sei usar aquele link mágico, procure que você vai achar com facilidade), encheu o peito e disse com propriedade para Mainardi: “A inadimplência está caindo!”. Mainardi discordou, Luiza retrucou, disse que enviaria os dados para o e mail de Mainardi e por ai vai. A esquerda caviar foi a loucura, compartilhou o vídeo, xingou Mainardi de coxinha e toda baboseira de sempre que nos já conhecemos.

Quem está certo? Quem está errado? Bom, se há certo ou errado eu não sei, mas vamos à fonte recolher alguns dados, fazer alguns exercícios e tentar chegar a algumas conclusões. Os dados são do Serasa.

Segue abaixo a série histórica de inadimplência do Serasa, os dados são de janeiro de 1999 até janeiro de 2014. Luiza, no caso, é a variável inadimplência. Espero que ela goste desta singela homenagem.

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Olhando somente para a série histórica já podemos chegar a uma conclusão: a inadimplência não está caindo. Muito pelo contrário, tem aumentado bastante.

Mas ai, você me diz: “Seu Coxinha, e aquele morrinho descendo ali no final, tá vendo só, as coisas estão mudando!”

Então tá, vamos tentar ir um pouco além em nossa análise. Aproveitando o curso de Econometria de Séries de Tempo do professor Shikida, resolvi colocar o R pra funcionar a favor da coerência.

Olhando para a série, podemos afirmar que se trata de uma série não estacionária. Ela tem aumentado ao longo do tempo e seguido uma tendência. O tal “morrinho” pode ser apenas o reflexo de alguns efeitos sazonais. Vamos decompor a série e prosseguir.

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No primeiro quadro temos a série de inadimplência e abaixo, sua decomposição. Na ordem temos: a tendência, o padrão sazonal e um erro aleatório. Após descontar o efeito sazonal fica fácil observar que a série segue sim uma tendência positiva, com uma queda bem leve no final, mas que não quer dizer nada.

Mas ai você me diz: “ela estava falando da inadimplência no varejo e não do índice geral!”

Tudo bem, de acordo com os dados que só ela tem, porque no site do IDV não se acha a base disponível, a inadimplência pode ter caído, mas se ela fundamenta seus argumentos em dados indisponíveis, vamos atrás de outras informações.

Segue abaixo trechos de uma reportagem da página de Economia do site G1.com, do dia 14/01/2014.

“Segundo a CNDL, Confederação Nacional de Dirigentes Logistas, com base nos dados do Serviço de Proteção ao Crédito, a taxa de inadimplência do consumidor brasileiro no comércio varejista encerrou 2013 com um aumento médio de 2,33%, na comparação com 2012.

Apesar da alta, ela foi bem menor que a registrada ao longo de 2012, quando a inadimplência subiu 12,18%, na comparação com 2011. De acordo com o SPC, houve uma forte elevação na inadimplência até o fim do primeiro trimestre de 2013. A partir de abril, porém, a tendência se inverteu, devido ao aumento da taxa básica de juros (Selic) pelo Banco Central, que encareceu o crédito no país e desestimulou o consumo.” 

Existe uma grande diferença entre dizer que um índice está “diminuindo” e dizer que ele está “crescendo a taxas decrescentes”. Neste caso, como podemos perceber através do que foi dito, o que de fato ocorre é que a inadimplência não diminuiu coisa alguma, só está crescendo a taxas decrescentes. E mais, só freou após o primeiro trimestre de 2013 porque o crédito ficou mais caro e houve uma consequente diminuição de demanda.

Dado isso, fica mais fácil ver que a inadimplência caiu porque a demanda de crédito caiu e não porque as pessoas estão pagando. Veja bem, agora estamos falando só do varejo e não da inadimplência geral.

Quando a taxa de juros aumenta, a inadimplência cai! Não parece lógico, então espera ai que eu vou desenhar.

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Usei a base de dados do Banco Central e coletei os dados da taxa média de juros de recursos livres para pessoa física e a inadimplência, também de recursos livres para pessoa física, claro.

O que isso quer nos dizer? O que eu já havia mencionado: os agentes econômicos são racionais, se aumenta a dívida futura, diminui o consumo presente.

Após a discussão, Luiza foi além, elogiou o programa do Governo “Minha Casa, Minha Vida” e por ai foi. Enfim, é muito fácil para uma empresária beneficiada pelas politicas de crédito do Governo ir a publico atestar a eficiência da máquina de Keynes.

Os dados de Mainardi dizem uma coisa, os de Luiza dizem outra. Os dados do Banco Central ajudam a confirmar a teoria de alocação intertemporal de consumo dos agentes econômicos e essa teoria nos permite dizer quer, não é que as coisas estão mudando e a inadimplência está sob controle, são somente os agentes respondendo aos incentivos, via aumento da taxa de juros.

O objetivo desse post não é desmentir Luiza, nem tenho os tais “dados” do IDV e se quisesse de fato responder à pergunta inicial, sobre “quem está certo ou errado”, teria que fazer algo bem melhor do que isso, mas creio que consegui passar a mensagem. Qual mensagem? A de que sempre terá “outro lado da história” e que não da para simplesmente vestir a camisa de uma causa, seja lá o que isso for, se munir de informações viesada ir para a televisão dizer que a “inadimplência está caindo”, que “O programa Minha Casa, Minha Vida é ótimo” entre outras coisas, enquanto os dados têm muito mais do que isso a nos dizer.

Dado isto, estou #FechadoComOMainardi.

Ps: Segue o link dos dados para quem quiser brincar de ser coerente,

Banco Central: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries

Serasa: http://noticias.serasaexperian.com.br/indicadores-economicos/inadimplencia-do-consumidor/

24 respostas em “O segredo de Luiza

  1. Pingback: Inadimplência e o segredo de Luisa | De Gustibus Non Est Disputandum

  2. Olha só, sem querer fazer o advogado do diabo, mas esse índice de inadimplência do Serasa não quer dizer exatamente o que você colocou. Ele é um número-índice construído como fluxo de anotações de inadimplência. Assim, se o crédito se expande, é de se esperar que esse número também cresça. Pode-se ter o caso de esse número crescer, mas o crédito crescer mais que proporcionalmente, então na verdade a inadimplência geral caiu. O contrário também é válido: o número de assinalações cair, mas o crédito cair mais que proporcionalmente, então a inadimplência subiu. O ideal seria em proporção ao crédito. Além do mais, mês a mês, esse número de anotações caiu no fim do ano, se comparado aos mesmo meses do ano anterior. Mas nada disso dá razão aos argumentos de Luiza Trajano. O varejo vai bem sim, obrigado, uma vez que o consumo das famílias continua crescendo. O problema é a composição desse consumo (fortemente baseado em importados) e o custo de sua manutenção (inflação alta). Não dá para pegar o caso particular do varejo e concluir que toda a economia vai bem. Para isso o PIB, mostra exatamente o contrário.

    • Cara, leia de novo o texto. O índice do Serasa foi uma referência e a metodologia não é tão simples assim. Em relação à maneira como o “coloquei”, não tem nada de mais, apenas separei da séries os efeitos sazonais e interpretei o índice, que está aumentando. A interpretação é absoluta mesmo, não tem que olhar para o crédito. Na verdade, não entendi a sua colocação e nem onde você quis chegar. A inadimplência ocorre por dividas contraídas via crédito não quitadas, se a firma tem crediário próprio é via crédito, se a operação é intermediada pro uma corretora de crédito, também é via crédito, mas apesar disso o índice não depende da oferta de crédito, não mesmo. Se a oferta de crédito aumentar e a inadimplência também mas proporcionalmente menos a inadimplência aumentou do mesmo jeito. Tente de novo, porque o que você disse não faz sentido.

  3. Faltou definir o que é a taxa de inadimplência? Ela é relativa ao número absoluto de transações, ou é o número o absoluto de pessoas que deixam de pagar? Caso seja relativa, o gráfico não quer dizer nada, tem que olhar o crescimento das transações. Se o número de transações aumentar mais rápido que o número de pessoas que deixam de pagar, mesmo crescente, a inadimplência vai decair. O Gráfico está em milhões, ou é relativo? Tem que explicar a variável Luiza, que com esse nome não explica nada, apenas explicita a conclusao final, logo no inicio.

    • Inadimplência é um índice calculado pelo Serasa, foi usado apenas como referência. Se as pessoas contraem dívida, via crédito, e não pagam, o índice aumenta. Se o crediário é próprio ou não, pouco importa. O gráfico é a evolução do índice ao longo do tempo, só isso. Não exige uma interpretação muito complexa, é quase tautológico. Se estiver interessado na metodologia de calculo do índice, tem no site do Serasa. Aqui no nosso caso não foi necessário muito mais do que isso. Variável Luiza é a inadimplência, tá explicitado no texto, leia de novo.

  4. Thomaz, o que eu falei é exatamente o que o Nem colocou. O índice da Serasa não quer dizer muita coisa, por si só, pois é o número de assinalações na Serasa. Uma alta no índice pode até representar uma melhora geral: se as pessoas triplicam a compra a prazo de produtos no varejo, e esse índice duplica, quer dizer q a situação está melhor.

    • Eu entendi o que você disse, agora veja bem, toda dívida é via crédito. Seja a venda fiada na lanchonete do Geraldo ou o crediário das casas Bahia, isso é crédito. Não faz sentido falar em inadimplência relativa ao crédito porque a inadimplência é a não quitação de um débito gerado por um crédito. Eu quero saber quem não está pagando, não há melhora quando as pessoas pagam porque elas não estão fazendo mais do que sua obrigação. O que interessa é quem não está pagando e é isso que o índice informa e foi disso que eu precisei para a análise. Você está me falando para olhar o índice relativo ao numero de transações, mas isso não importa. As pessoas que não pagam não deixam de existir por causa das pessoas que pagam. Se você tivesse uma loja e o número de pessoas que pagam fosse maior do que o número de pessoas que não pagam você estaria em uma situação boa? Eu não.

      • Thomaz, desculpa, mas claro que a situação pode ser melhor. Veja: se eu vendo 500 produtos e 20 não me pagam, a situação é melhor que eu vender 100 produtos e 10 não me pagam. Se as vendas crescem (e estão crescendo, basta ver o desempenho do comércio), é de se esperar que, em números absolutos, o número de inadimplentes também aumente. Olha, esse índice, em janeiro, situa-se em 145,6 pontos. Em janeiro de 1999 era de 34,5 pontos. Quer dizer então que a inadimplência, hoje, é 321,7% superior a 1999? Obviamente, não. Esse efeito tendencial que você captou é justamente em função do crescimento nas vendas. Acontece que inadimplência deveria ser sempre observada como relativa.

      • Danilo, com certeza a inadimplência é sensível ao aumento das vendas, mas para calcularmos isso teríamos que construir um modelo mais sofisticado e não fazer uma regra de três, como você fez. Creio que fui bem claro quando disse qual era a verdadeira intenção do texto, mostrar o “outro lado da moeda” e que não da pra fundamentar argumentos em vieses de informação e interesses políticos. Os impactos negativos da expansão da carteira de crédito hoje no Brasil é uma realidade e o aumento da inadimplência é uma das consequências. Faça o seguinte: pegue a série histórica de inadimplência dos últimos três anos e compare com a série histórica do aumento da carteira de crédito. É claro que as vendas cresceram, a oferta de crédito aumentou e como já disse, a inadimplência é a não quitação de um débito gerado por um crédito. Produtividade do trabalhador não é uma variável observável, mas nos podemos olhar para as contas nacionais e observar para o estoque de capital fixo, que não tem crescido por conta do baixo investimento. O poder de compra do trabalhador hoje não é por um aumento de renda, que depende de uma produtividade que não cresce, mas sim por uma expansão do crédito. Segue uma análise que fiz do crédito no Brasil, acho que você deveria ler. Obrigado pelo prestígio e pelas observações construtivas.

        A análise: https://nepom.wordpress.com/2014/02/18/credito-o-queridinho-do-brasil/

  5. Thomaz, sobre a regra de três: sim, para construir a verdadeira inadimplência, precisaríamos construir algo mais complicado. Precisaria ser número de assinalações dividido pelo número de transações. A Serasa só observa o numerador, e é com essa informação que ela constrói o índice. Esse índice só mostra que o “fluxo” de inadimplência brasileira é muito menor que dos EUA e muito maior que do Burundi. O índice não ajuda nem a comprovar e nem a refutar a tese da Luiza Trajano. Sobre os outros itens que você colocou, concordo com todos. Principalmente com relação a “não da pra fundamentar argumentos em vieses de informação e interesses políticos”, o que é exatamente o que aconteceu na entrevista. Sobre o texto de crédito, ficou bacana, bem didático.

  6. Concordo com o Danilo, o texto é bom no que tange ao crédito, mas peca nesse sentido de considerar o índice Serasa como referência sem analisar se houve aumento ou não no crédito. A “simples regra de três” enriqueceria mais o texto.

    • Ok, então vamos lá. O texto é bom “no que tange” ao crédito, mas peca na abordagem do mesmo? E mais, você acha que uma regra de três seria o suficiente para medir o quão sensível a inadimplência é a um aumento nas vendas? Meu caro, não mesmo. O índice de inadimplência do Serasa é uma ótima referência dentre dessa abordagem a partir do momento em que você já sabe que o mercado está “aquecido” por uma demanda estimulada por crédito e não por aumento de renda. Já falei isso aqui várias vezes, mas não entra na cabeça de vocês, impressionante. A expansão da carteira de crédito é uma realidade, não há o que analisar. A metodologia do Serasa pouco importa dentro dessa abordagem a partir do momento em que eu não olho isoladamente para a variável. Decompus a série, limpei o efeito sazonal, fiz um link com o crédito e a taxa de juros. Não entendeu quem não quis.

      • Se algumas pessoas não estão entendendo pode ser que o problema esteja com o texto e não com os leitores.

      • Creio que a explicação foi bem clara, tanto no texto quanto nos comentários. Esse não é um texto de fácil compreensão para quem não entende o mínimo de setor de crédito. Estou apto para tirar dúvidas sempre que puder, tanto no meu e mail quanto nos comentários. A metodologia foi questionada e eu dei o meu ponto, a partir daí é com a compreensão de cada um, tanto de entender que se equivocou no questionamento quanto entender que não está apto para questionar a metodologia de um assunto que não domina. Dê uma olhada no meu texto sobre crédito neste blog, é bem didático e pode ser um bom começo para quem tem interesse em entender um pouco da área.

  7. Um único ponto: não acho que exista esta relação de “crescimento econômico vem acompanhado de crescimento da inadimplência”. Posso observar países com crescimento econômico e queda de inadimplência. Portanto, acho que a observação de que isto seja uma “coisa boa” (no sentido de “ah, melhor crescer com inadimplência do que nada”) tem um poder argumentativo bem menor. Eu posso, simplesmente, dizer que é melhor crescer sem inadimplência do que com alguma.

    Dito isto, outro ponto a se discutir no futuro é: o que causa o aumento da inadimplência? Não é com regra de três ou com correlações simples que se vai responder esta pergunta.

    Eis meus dois centavos.

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